sábado, 3 de outubro de 2015

Um outro olhar sobre a instituição jurídica do casamento


As acções do Estado não devem depender da existência, ou do tipo, de relações sexuais entre indivíduos. Quando o Estado se intromete na instituição pré-política que é o casamento,  está a atribuir direitos diferentes dos normais a duas pessoas apenas porque elas têm (ou se supõe que tenham) relações sexuais um com o outro. 

Isto parece-me fortemente discriminatório em relação a dois indivíduos que vivam juntos e não têm relações sexuais (por exemplo: dois irmãos, uma filha que vive com a mãe, religiosos consagrados, amigos que partilham uma casa, etc...), e uma intromissão do estado na vida íntima dos indivíduos. Um contrato alargado de economia doméstica (como o existente p. ex. na Holanda, com a figura jurídica do "samenwonen") pode incluir todas estas possibilidades, e poderá conceder a generalidade dos direitos que normalmente se obtêm com o casamento sem correr o risco de confundir realidades distintas.


O único motivo para o casamento ter um estatuto diferente é o facto de poder perpetuar a espécie (por muito politicamente incorrecto que isto possa ser). Isto é algo que o distingue de todas as outras uniões, e o motivo para a sociedade ter interesse em favorecer este tipo de contrato. Hoje em dia, este contrato tem várias formas e nomes ("união de facto", "casamento civil", "casamento católico"..) mas a sua importância social e política (em qualquer das suas formas) advém do facto de, potencialmente, poder dar origem ao nascimento de crianças. Considero por isso que o Estado  deve conceder benefícios a todos os casais (heterossexuais ou homossexuais) que têm a responsabilidade conjunta pela educação e proteção de crianças, e só a esses.


Adicionalmente, a Concordata entre o Estado português e a Santa Sé, ao atribuir força legal ao  sacramento católico do Matrimónio acabou por introduzir uma injustiça que penso que muita gente não nota:  os crentes católicos que desejam celebrar o sacramento do Matrimónio não podem escolher, por exemplo, o regime de "união de facto", ou até ausência de contrato civil, porque o sacerdote celebrante tem a obrigação (imposta pela Concordata) de enviar o assento do matrimónio para o Registo Civil, que em contrapartida tem a obrigação (imposta pela mesma Concordata) de estabelecer entre os contraentes o contrato matrimonial. Um não-crente tem a opção de escolher o regime fiscalmente mais favorável para a sua situação particualr, mas um católico sincero não a tem...

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