sábado, 24 de outubro de 2015

Deve-se impedir a participação de algum partido no governo?

Dois parágrafos do discurso de Cavaco Silva a 22 de Outubro de 2015 foram recebidos com manifestações de horror e rasgar de vestes. Ok, se calhar estou a exagerar um pouco... Foram considerados insultuosos e uma desconsideração a dois partidos que obtiveram, em conjunto, cerca de 18% dos votos. Nas palavras de Jorge Reis Novais, porfessor de Direito em Lisboa, e citados no Público:
“Não há portugueses de primeira ou segunda, os partidos na Assembleia da República são todos democráticos, e o facto de haver formações que discordam da forma como a construção europeia foi conduzida ou como a união monetária foi construída é indiferente, desde que respeitem os vínculos assumidos pelo país, pelo que têm toda a legitimidade em participar em qualquer solução governativa”

Curiosamente, estes argumentos nunca são usados contra a a política de "cordon sanitaire" vigente em França em relação a alianças com a Frente Nacional, ou na Bélgica em relação ao Vlaams Blok. Em nenhum desses casos vi qualquer um dos partidos parlamentares portugueses lamentar essa "desconsideração pelos votos dos eleitores". Pelo contrário o PS advogou explicitamente essa política em relação a pelo menos um partido: em 1999, o segundo partido mais votado nas eleições austríacas (ÖVP) preparou (após o falhanço das negociações entre o primeiro partido (SPÖ, socialista) e si próprio devido às relações com os sindicatos) um acordo de governação com o terceiro partido (FPÖ, populista liderado por um personagem grotesco que homenageara soldados austríacos das SS). O governo socialista português, que na altura presidia à União Europeia, apressou-se a decretar sanções contra a Áustria devido à possibilidade da entrada do FPÖ no governo. Isto é muito mais grave do que o que se passou em Portugal, porque Cavaco tem legitimidade eleitoral para intervir nas decisões governativas portuguesas, ao contrário do que se passava entre o governo de Guterres e a Áustria. Aí se mostrou definitivamente que noentender do próprio PS há partidos em que "se pode votar, mas não podem governar". 

Não duvido da justeza da política de "cordon sanitaire" em relação à Frente Nacional e a partidos xenófobos, anti-semitas, racistas ou (neo-)fascistas. Aliás, a própria Constituição Portuguesa diz (com o beneplácito de PS, PCP, BE, etc) que não são permitidos partidos racistas ou fascistas, o que lhes retira legitimidade para dizer que "todas as formações políticas têm direito a formar governo". Apenas considero que, tal como esses partidos, também aqueles partidos que justificam o terrorismo da ETA,  que após a libertação de pessoas feitas reféns pelas FARC só conseguem falar do suposto "neo-fascismo" do governo colombiano , ou que lamentam a queda do muro Berlim por representar o "fim do único estado alemão anti-fascista" devem ter o direito de expressão, mas não o direito a governar, que é sempre um exercício de poder sobre a liberdade dos seus concidadãos, e dos impostos que lhes foram retirados para a prossecução do bem comum. E quem defende a ETA, a URSS ou a RDA tem em comum com o fascismo e a xenofobia, pelo menos, uma concepção bizarra do que é o bem comum.


Referências: Lonnie Johnson (2000)  "Austria's New ÖVP-FPÖ Government and Jörg Haider" , consultado em 24/10/2015

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