sábado, 28 de novembro de 2015

Uma modesta proposta para resolver o problema parlamentar português

Tal como escrevi há tempos, a nossa Constituição é confusa e pouco clara em questões nucleares como a formação de um governo. No entanto, seria possível melhorá-la com meia dúzia de modificações simples que obrigariam os actores políticos a colocar as suas cartas na mesa com antecedência e a procurar consensos entre si.

artigo 187º
" O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais."

modificação proposta:
artigo 187º
"O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, dentre três nomes propostos pela formação política mais votada nas últimas eleições legislativas. A proposta de nomes deve ser apresentada ao Presidente por cada formação política até 15 dias antes das eleições legislativas. O presidente deve nomear um desses nomes no prazo máximo de 24 horas após publicação dos resultados oficiais. No caso de a nomeação de um Primeiro-Ministro ser devida à rejeição de um programa de Governo ou moção de censura, aplica-se o disposto no artigo 192º, parágrafo 4"

artigo 192º
 "1. O programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo máximo de dez dias após a sua nomeação.
[...]
3. O debate não pode exceder três dias e até ao seu encerramento pode qualquer grupo parlamentar propor a rejeição do programa ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança. 
4. A rejeição do programa do Governo exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções."

modificação proposta:
"1. O programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo máximo de cinco dias após a nomeação do Primeiro-Ministro.
[..]
3. O debate não pode exceder três dias e será obrigatoriamente seguido por uma moção de rejeição/aprovação.
4. Na votação de uma moção de rejeição/aprovação de um programa de governo, não são permitidas as abstenções. A rejeição do programa do Governo (ou a aprovação de uma moção de censura) exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, e implica a proposta (pelos deputados que votaram favoravelmente a rejeição do programa ou moção de censura, num prazo máximo de 24 horas) de três candidatos à nomeação de Primeiro-Ministro de um novo governo, repetindo-se o disposto no artigo 187º. O presidente deve nomear um desses nomes no prazo máximo de 24 horas após recepção da proposta, repetindo-se seguidamente os passos descritos neste artigo.
5. Se após 4 rondas de formação de governo não se tiver conseguido obter a aprovação de um programa de governo, serão convocadas eleições legislativas. Se tal convocação fôr impossível, ficará em gestão o governo proposto originalmente pela formação política mais votada. Nenhum governo pode ficar em gestão por tempo superior ao estritamente necessário para a convocação de novas eleições legislativas"



Substitui-se-ia a alínea c) do artigo 195º

artigo 195º " 1. Implicam a demissão do Governo:
[...]
c) A morte ou a impossibilidade física duradoura do Primeiro-Ministro;"

por  :

"Sobrevindo a morte ou impossibilidade física duradoura  do Primeiro-Ministro, o governo continuará em funções, sem impedimento de qualquer espécie. O Presidente da República nomeará, no prazo máximo de 72 horas, um novo Primeiro-Ministro, escolhido entre os dois nomes restantes na lista que lhe foi entregue ao abrigo dos artigos 187º ou 192º. "


O que acham?

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Os double standards são inevitáveis no mundo real :-(

Não me parece que se possa ao mesmo tempo acusar o Ocidente por atacar/aplicar sanções ao Iraque/Irão/Síria/Líbia e ao mesmo tempo acusá-lo por não aplicar sanções/atacar a Arábia Saudita (ou a Líbia pós-abandono do seu programa nuclear). É verdade que a consistência e coerência ética obrigariam qualquer autoridade global a tratar essas situações da mesma forma. Essa autoridade, no entanto, não existe, e não é credível que alguma vez possa existir, dadas as diferenças naturais entre pessoas (sem falar sequer em culturas, ideologias políticas, filosóficas ou religiões).

Nunca estudei relações internacionais, mas parece-me que é o exemplo mais perfeito da "desordem social primordial", em que não existe confiança mútua, valores partilhados ou possibilidade de cooperação duradoura. E tendo cada Estado obrigações para com os seus cidadãos (e capacidades militares finitas, que obrigam a decidir qual a prioridade que se deve dar a cada um dos potenciais conflitos) , não me surpreende que a actuação de cada  Estado se reja por "interesses próprios". Afinal, se eu fosse presidente de uma democracia com forças armadas recrutadas (ou profissionalizadas) para defesa do meu Estado, o meu poder sobre elas radicaria na sua necessidade para o "bem comum" do Estado. Com que direito poderia eu dispôr das suas vidas para  intervenções militares "humanitárias" que me parecessem urgentes?

PS: O conceito de "guerra justa" é (com razão ou sem ela) utilizado popularmente como "ideal" quando se avalia ou critica a necessidade/oportunidade de qualquer intervenção por parte de potências ocidentais democráticas. As outras nações (segundo a percepção vigente) não precisam de se preocupar com isso: afinal, quando foi a última vez que se discutiu sob este prisma a justeza da intervenção do Ruanda no leste do Congo ou da Rússia na Crimeia?

PPS: Eu não acho que a "visão" ocidental do problemas seja necessariamente a mais correcta (ou que sequer haja uma visão "correcta" dos problemas), e nem sequer tento argumentar a favor ou contra alguma guerra ou ingerências nos assuntos internos de outros estados. Apenas não acho que seja a visão "mais incorrecta", e que por exemplo a existência do ISIS seja fundamentalmente culpa da actuação ocidental no Iraque em 2003 (fundamentalmente US/UK e com oposição francesa) . A culpa do ISIS é dos próprios membros do ISIS, que se radicalizaram devido a um conjunto extremamente complexo de factores entre os quais estará sem duvida o fim da repressão de Saddam sobre a maioria xiita e a consequente percepção, por parte de alguns membros da minoria sunita (dominante até então), de que se encontram numa situação injusta. Alguns enveredaram por percursos ideológicos vagamente sustentados em algumas interpretações do Corão que os levam a uma posição militante, sustentada táctica, administrativa e politicamente por antigos membros do exército baathista do Iraque (erradamente desmantelado, em vez de "purificado" , após a invasão).


Sobre o aparecimento do ISIS, há um artigo muito bom no Guardian de 15 de Setembro www.theguardian.com/world/2015/sep/17/why-isis-fight-syria-iraq

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Cavaco indigitou António José Seguro!

Uma vez que as eleições não se destinam a eleger candidatos a primeiro-ministro mas deputados, o presidente Aníbal Cavaco Silva decidiu indigitar esta quarta-feira o proeminente membro do PS (e seu antigo secretário-geral) António José Seguro como primeiro-ministro.

Instado a explicar a sua decisão, Cavaco Silva explicou que não podia em consciência indigitar António Costa, que na terceiras semana de Outubro lhe garantira ter um acordo mas afinal só conseguiu (mais de três semanas de atraso após essa garantia) um conjunto de "posições conjuntas isoladas". Por outro lado, uma vez que as "posições conjuntas" publicitadas pelo PS se realizaram entre PS e PCP/PEV/BE, e não entre António Costa e PCP/BE/PEV, a solidariedade política entre estas forças será independente da identidade do primeiro-ministro, desde que este seja um socialista credível.

Cavaco Silva confessou que pensou indigitar Mário Soares como primeiro-ministro, por este ser um socialista incontestado no partido. Só mudou de ideias porque a elevada idade de Mário Soares poderia impedir a manutenção de uma legislatura de quatro anos. Cavaco não receia que António Costa se indisponha com esta escolha, uma vez que o actual secretário-geral do PS tem dito que "O que nos separa não são lugares no Governo, que recusámos desde o início.[...] O que divide o PS da coligação de direita são as políticas programáticas".

Dizem que a culpa é da invasão do Iraque...


Com todos os defeitos que o mundo moderno tem, nunca nenhuma outra civilização se questionou tanto sobre o seu papel e sobre a justiça dos seus valores e acções como a actual civilização ocidental. Ao fazê-lo, muitos de nós passam de uma saudável posição de auto-crítica para outra, que me parece bem menos correcta, que é a de considerar que grande parte da razão para actos violentos contra os nossos símbolos e valores radica em nós, e não em quem nos ataca. Esta forma de pensar reduz a responsabilidade de quem nos ataca, tratando-os como crianças sem capacidade de valoração ética ou como inimputáveis.

Os terroristas não são autómatos que actuam simplesmente por reacção a "estímulos externos" provenientes do Ocidente. Também têm também têm motivações próprias, alheias às acções do Ocidente. Afinal nos anos 70 e 80 havia bombas em aviões, desvios de aviões, reféns em embaixadas, atentados em night clubs e não tinha havido invasão do Iraque... E por outro lado, o Vietname sofreu bastante mais com as suas guerras contra França e EUA do que qualquer país do Médio oriente, e não existe terrorismo originário do Vietname. E o Japão tinha uma cultura de militarismo suicida que não se traduziu em missões suicidas japonesas contra os EUA em retaliação pelos bombardeamentos das suas cidades e pela destruição de Hiroshima e Nagasaki no fogo nuclear.

Os criminosos do ISIS fazem o que fazem porque QUEREM. Não porque a actuação ocidental (por muito criticável que seja) os leve inexoravelmente a isso.

As ditaduras produtoras de petróleo são SEMPRE inimputáveis

A sorte grande na lotaria das relações internacionais saiu aos autocratas que governam países produtores de petróleo: se forem atacados/desestabilizados por ocidentais, parte da opinião pública ocidental criticará essas acções como "tentativa de pilhagem dos seus recursos naturais". Se não forem atacados, desestabilizados, alvo de sanções, ou se forem apoiados como forma de conter o aparecimento de alternativas de poder mais perniciosas, parte da opinião pública ocidental (largamente sobreponível com a anterior) criticará a não-intervenção como "apoio a ditaduras devido ao seu controlo sobre o petróleo". Aconteça o que acontecer, a culpa é do Ocidente.