sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Em louvor da abstenção

Em todas as eleições, os abstencionistas são acusados de preguiça, indiferença pelo bem comum ou irresponsabilidade. Os eleitores que se dirigem em massa às secções de voto, independentemente da razão, são aplaudidos como participantes activos e dignos das discussões públicas mesmo que só coloquem a cruzinha a fim de tentarem obter um governo que lhes forneça um aumento de benefícios, um lugarzinho na autarquia para o afilhado ou uma auto-estrada.


Jason Brennan publicou uma interessante reflexão quanto às exigências éticas do voto. Argumenta (e quanto a mim, com razão) que o voto implica uma escolha que terá sempre consequências para os nossos concidadãos, e por isso só é moralmente correcto  exercer esse direito se estivermos moralmente seguros de que as consequências do nosso voto serão benéficas não só para nós mas para a sociedade em que nos inserimos.

Isto implica, entre outras coisas, que um abstencionista pode ser muito mais digno de aplauso do que um eleitor qualquer: quem não vota não está a tentar impôr nenhuma política (certa ou errada) aos seus cidadãos, ao passo que um eleitor que não tenha estudado os problemas pode (mesmo com as melhores intenções) estar a contribuir para onerar injustamente os outros com más consequências da sua opção política. A isto se junta outro problema: a complexidade das decisões legislativas e executivas nas democracias modernas muito provavelmente impede que qualquer eleitor ou candidato possa com segurança prever as consequências de uma actuação política.

O que vou fazer nestas eleições? Vou votar, mas não por achar que o destinatário do meu voto tenha propostas brilhantes para Portugal. Simplesmente considero, em consciência, que as consequências das suas propostas são bastante menos onerosas do que as de qualquer outra formação política.

Preferiria, no entanto, que uma decisão mais "pura" fosse possível: que o Estado tivesse de tomar menos decisões, que estas fossem circunscritas a bastante menos áreas, e que tivéssemos  todos a humildade epistemológica suficiente para admitirmos que uma sociedade com 10,6 milhões de indivíduos é demasiado complexa. E num sistema complexo o primeiro passo para a sabedoria é interferir em poucas áreas, porque existem muito mais formas de estragar um sistema em equilíbrio do que formas de o melhorar.


  

Sem comentários:

Enviar um comentário