quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Os double standards são inevitáveis no mundo real :-(

Não me parece que se possa ao mesmo tempo acusar o Ocidente por atacar/aplicar sanções ao Iraque/Irão/Síria/Líbia e ao mesmo tempo acusá-lo por não aplicar sanções/atacar a Arábia Saudita (ou a Líbia pós-abandono do seu programa nuclear). É verdade que a consistência e coerência ética obrigariam qualquer autoridade global a tratar essas situações da mesma forma. Essa autoridade, no entanto, não existe, e não é credível que alguma vez possa existir, dadas as diferenças naturais entre pessoas (sem falar sequer em culturas, ideologias políticas, filosóficas ou religiões).

Nunca estudei relações internacionais, mas parece-me que é o exemplo mais perfeito da "desordem social primordial", em que não existe confiança mútua, valores partilhados ou possibilidade de cooperação duradoura. E tendo cada Estado obrigações para com os seus cidadãos (e capacidades militares finitas, que obrigam a decidir qual a prioridade que se deve dar a cada um dos potenciais conflitos) , não me surpreende que a actuação de cada  Estado se reja por "interesses próprios". Afinal, se eu fosse presidente de uma democracia com forças armadas recrutadas (ou profissionalizadas) para defesa do meu Estado, o meu poder sobre elas radicaria na sua necessidade para o "bem comum" do Estado. Com que direito poderia eu dispôr das suas vidas para  intervenções militares "humanitárias" que me parecessem urgentes?

PS: O conceito de "guerra justa" é (com razão ou sem ela) utilizado popularmente como "ideal" quando se avalia ou critica a necessidade/oportunidade de qualquer intervenção por parte de potências ocidentais democráticas. As outras nações (segundo a percepção vigente) não precisam de se preocupar com isso: afinal, quando foi a última vez que se discutiu sob este prisma a justeza da intervenção do Ruanda no leste do Congo ou da Rússia na Crimeia?

PPS: Eu não acho que a "visão" ocidental do problemas seja necessariamente a mais correcta (ou que sequer haja uma visão "correcta" dos problemas), e nem sequer tento argumentar a favor ou contra alguma guerra ou ingerências nos assuntos internos de outros estados. Apenas não acho que seja a visão "mais incorrecta", e que por exemplo a existência do ISIS seja fundamentalmente culpa da actuação ocidental no Iraque em 2003 (fundamentalmente US/UK e com oposição francesa) . A culpa do ISIS é dos próprios membros do ISIS, que se radicalizaram devido a um conjunto extremamente complexo de factores entre os quais estará sem duvida o fim da repressão de Saddam sobre a maioria xiita e a consequente percepção, por parte de alguns membros da minoria sunita (dominante até então), de que se encontram numa situação injusta. Alguns enveredaram por percursos ideológicos vagamente sustentados em algumas interpretações do Corão que os levam a uma posição militante, sustentada táctica, administrativa e politicamente por antigos membros do exército baathista do Iraque (erradamente desmantelado, em vez de "purificado" , após a invasão).


Sobre o aparecimento do ISIS, há um artigo muito bom no Guardian de 15 de Setembro www.theguardian.com/world/2015/sep/17/why-isis-fight-syria-iraq

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