domingo, 19 de junho de 2016

A Liberdade de expressão só sobrevive se houver respeito por aqueles que difundem ideias abjectas



 A defesa da liberdade de expressão não se deve limitar à liberdade de partilhar opiniões com que concordamos: afinal, nem o maior dos ditadores se opõe à existência de jornais, rádios ou literatura que exaltem o seu pensamento. É importante defender a liberdade de expressão principalmente em relação aqueles com quem não concordamos, porque é o mesmo princípio que nos defende quando a nossa opinião é impopular. A abolição da escravatura, os limites ao poder dos soberanos e a igualdade dos cidadãos perante a lei foram opiniões impopulares a seu tempo, não só por afectarem "interesses dominantes" mas também porque muitas pessoas achavam, genuinamente e com toda a sinceridade, que essas ideias eram objectivamente perigosas para o bem-estar da sociedade e que provocariam anarquia, insegurança e o caos. É muito fácil e muito agradável para o nosso ego e para o nosso sentimento de superioridade moral acharmos que quem discorda de nós ou advoga ideias diferentes é imoral, perverso, estúpido, autoritário e/ou digno de desprezo, e devia ser impedido de espalhar essas ideias. No entanto, o "tribalismo" que isso provoca é o princípio do fim da nossa própria liberdade a sermos nós mesmos.

A existência de ideias diferentes é inevitável numa sociedade pluralista e se não conseguirmos demonstrar respeito por isso não somos mais "evoluídos" em termos civilizacionais/morais/culturais do que as sociedades comparativamente "uniformes" que nos precederam, onde toda a gente era igualmente cristã/muçulmana/monárquica/esclavagista/racista/imperialista. Podemos estar muito certos da superioridade das nossas virtudes e tolerância, mas os nossos antepassados também estavam certos da excelência das suas concepções da sociedade. E hoje sabemos o quanto essas concepções eram deficitárias e tantas vezes profundamente injustas.

É talvez insanável a contradição entre o direito básico à diferença de opinião e a existência de um código legal que se aplique indistintamente a todos: não é de forma nenhuma seguro que numa sociedade plural se consiga obter um consenso geral em relação ao conjunto de situações em que uma sanção (ou um benefício) legal são apropriados. E quando a possibilidade de consenso sobre questões fundamentais relacionadas com as convicções mais íntimas de cada um esbarrar contra o muro do desrespeito pela humanidade daqueles que não partilham dos mesmos valores, o que assegurará a coesão da sociedade e a impedirá de se desagregar em grupos que se combatem de forma  agressiva para obter proteção legal do direito às suas diferenças? Quando cada grupo voltar a lutar pela sua diferença, seguro da sua superioridade moral e das más intenções e da cegueira moral/ideológica dos seus adversários, o que nos distinguirá dos inquisidores dos passado, dos censores de todas as épocas, e dos vários totalitarismos que eliminaram dezenas de milhões de inocentes em nome da pureza das suas nações, da bondade intrínseca do papel libertador do proletariado ou da luta contra a exploração do homem pelo homem?

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