sexta-feira, 8 de julho de 2016

Ao menos a Goldman Sachs é honesta!

Parece que Durão Barroso foi contratado pela Goldman Sachs. Não me parece que o CV de Durão Barroso indique capacidade excepcional de gestão de activos financeiros. À primeira (e segunda) vista, parece-me uma tentativa lamentável da GS para obter um colaborador capaz de se movimentar em meios onde a influência política é importante. Na minha concepção de capitalismo isto é mau, porque a influência de uma empresa sobre políticos (tal como a influência de um governo sobre uma empresa) distorce o mercado em favor de alguns intervenientes através de factores alheios à qualidade/preço do produto que oferecem. Mas  reconheço um mérito inegável a esta nomeação: a partir de agora não se pode acusar a Goldman Sachs de tentar influenciar políticos pela calada.

domingo, 19 de junho de 2016

A Liberdade de expressão só sobrevive se houver respeito por aqueles que difundem ideias abjectas



 A defesa da liberdade de expressão não se deve limitar à liberdade de partilhar opiniões com que concordamos: afinal, nem o maior dos ditadores se opõe à existência de jornais, rádios ou literatura que exaltem o seu pensamento. É importante defender a liberdade de expressão principalmente em relação aqueles com quem não concordamos, porque é o mesmo princípio que nos defende quando a nossa opinião é impopular. A abolição da escravatura, os limites ao poder dos soberanos e a igualdade dos cidadãos perante a lei foram opiniões impopulares a seu tempo, não só por afectarem "interesses dominantes" mas também porque muitas pessoas achavam, genuinamente e com toda a sinceridade, que essas ideias eram objectivamente perigosas para o bem-estar da sociedade e que provocariam anarquia, insegurança e o caos. É muito fácil e muito agradável para o nosso ego e para o nosso sentimento de superioridade moral acharmos que quem discorda de nós ou advoga ideias diferentes é imoral, perverso, estúpido, autoritário e/ou digno de desprezo, e devia ser impedido de espalhar essas ideias. No entanto, o "tribalismo" que isso provoca é o princípio do fim da nossa própria liberdade a sermos nós mesmos.

A existência de ideias diferentes é inevitável numa sociedade pluralista e se não conseguirmos demonstrar respeito por isso não somos mais "evoluídos" em termos civilizacionais/morais/culturais do que as sociedades comparativamente "uniformes" que nos precederam, onde toda a gente era igualmente cristã/muçulmana/monárquica/esclavagista/racista/imperialista. Podemos estar muito certos da superioridade das nossas virtudes e tolerância, mas os nossos antepassados também estavam certos da excelência das suas concepções da sociedade. E hoje sabemos o quanto essas concepções eram deficitárias e tantas vezes profundamente injustas.

É talvez insanável a contradição entre o direito básico à diferença de opinião e a existência de um código legal que se aplique indistintamente a todos: não é de forma nenhuma seguro que numa sociedade plural se consiga obter um consenso geral em relação ao conjunto de situações em que uma sanção (ou um benefício) legal são apropriados. E quando a possibilidade de consenso sobre questões fundamentais relacionadas com as convicções mais íntimas de cada um esbarrar contra o muro do desrespeito pela humanidade daqueles que não partilham dos mesmos valores, o que assegurará a coesão da sociedade e a impedirá de se desagregar em grupos que se combatem de forma  agressiva para obter proteção legal do direito às suas diferenças? Quando cada grupo voltar a lutar pela sua diferença, seguro da sua superioridade moral e das más intenções e da cegueira moral/ideológica dos seus adversários, o que nos distinguirá dos inquisidores dos passado, dos censores de todas as épocas, e dos vários totalitarismos que eliminaram dezenas de milhões de inocentes em nome da pureza das suas nações, da bondade intrínseca do papel libertador do proletariado ou da luta contra a exploração do homem pelo homem?

quinta-feira, 12 de maio de 2016

O nosso ensino, os pais que só ligam à nota e a praga das ESEs

Em Portugal temos um rácio de alunos/professor muito inferior ao da média da OCDE, mais horas de aulas e piores resultados nas avaliações internacionais. Há quem diga que isto é "uma questão de produtividade dos professores". Eu discordo:  depende também do grau de autoridade destes, da disciplina/indisciplina dos alunos, do grau de homogeneidade intelectual da turma e da cultura de estudo dos alunos. Muito depende, é certo, dos professores, mas parece-me que quando se fala nos factores externos a maioria das pessoas pensa apenas no nível socio-económico dos pais, omitindo a grande variância da importãncia do conhecimento nas famílias, mesmo entre pais de nível socio-económico elevado.O número de pais que se preocupa com as notas dos filhos é bastante superior ao dos pais que valorizam a efectiva aquisição de saberes, o que se reflecte no estímulo a "técnicas de estudo" assentes em marranço e pouca profundidade de compreensão.

Há (infelizmente) professores pouco produtivos e até incompetentes. Acho incompreensível que as Escolas Superiores de Educação que formam professores para dar aulas do 1º ao 9º ano aceitem alunos com notas absolutamente medíocres, e que (pelo menos até há meia dúzia de anos)  foquem >50% das aulas em "Psicologia de Desenvolvimento de Adolescentes I-IX", "Pedagogia I-XVII" e uma quantidade residual de tempo em conteúdos científicos.  Mas a questão da produtividade dos professores é também produto da estúpida cultura de "estudar para a nota". Esta cultura não tem nada a ver com a presença/ausência de exames nacionais, mas com o baixo valor que a maior parte das pessoas dá ao conhecimento e ao excessivo valor que dão à possibilidade de dizerem "o meu filho está no quadro de mérito porque tem sempre notas altas".

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Este post não é sobre a Uber

Hoje de manhã, enquanto me dirigia de carro para o trabalho, ouvi sirenes policiais. Tal como mandam o bom senso e o código da estrada, afastei-me (tal como os outros automobilistas) para dar passagem às forças da autoridade. Escandalosamente, o motivo para as sirenes era sim plesmente o de abrir passagem para um cortejo de táxis que tinha como objectivo manifestar-se na cidade do Porto! Mas que raio de m** é esta? AFASTAR DA ESTRADA AS PESSOAS QUE VÃO TRABALHAR PARA DAR PASSAGEM A QUEM QUER IMPEDIR A CIRCULAÇÂO?
O nosso Estado é uma fantochada. Não faz correctamente o que lhe compete, intromete-se no que não lhe diz respeito, suga-nos o fruto do nosso trabalho e agora dá escolta policial a quem nos quer impedir de fazer a nossa vida?

sábado, 28 de novembro de 2015

Uma modesta proposta para resolver o problema parlamentar português

Tal como escrevi há tempos, a nossa Constituição é confusa e pouco clara em questões nucleares como a formação de um governo. No entanto, seria possível melhorá-la com meia dúzia de modificações simples que obrigariam os actores políticos a colocar as suas cartas na mesa com antecedência e a procurar consensos entre si.

artigo 187º
" O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais."

modificação proposta:
artigo 187º
"O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, dentre três nomes propostos pela formação política mais votada nas últimas eleições legislativas. A proposta de nomes deve ser apresentada ao Presidente por cada formação política até 15 dias antes das eleições legislativas. O presidente deve nomear um desses nomes no prazo máximo de 24 horas após publicação dos resultados oficiais. No caso de a nomeação de um Primeiro-Ministro ser devida à rejeição de um programa de Governo ou moção de censura, aplica-se o disposto no artigo 192º, parágrafo 4"

artigo 192º
 "1. O programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo máximo de dez dias após a sua nomeação.
[...]
3. O debate não pode exceder três dias e até ao seu encerramento pode qualquer grupo parlamentar propor a rejeição do programa ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança. 
4. A rejeição do programa do Governo exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções."

modificação proposta:
"1. O programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo máximo de cinco dias após a nomeação do Primeiro-Ministro.
[..]
3. O debate não pode exceder três dias e será obrigatoriamente seguido por uma moção de rejeição/aprovação.
4. Na votação de uma moção de rejeição/aprovação de um programa de governo, não são permitidas as abstenções. A rejeição do programa do Governo (ou a aprovação de uma moção de censura) exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, e implica a proposta (pelos deputados que votaram favoravelmente a rejeição do programa ou moção de censura, num prazo máximo de 24 horas) de três candidatos à nomeação de Primeiro-Ministro de um novo governo, repetindo-se o disposto no artigo 187º. O presidente deve nomear um desses nomes no prazo máximo de 24 horas após recepção da proposta, repetindo-se seguidamente os passos descritos neste artigo.
5. Se após 4 rondas de formação de governo não se tiver conseguido obter a aprovação de um programa de governo, serão convocadas eleições legislativas. Se tal convocação fôr impossível, ficará em gestão o governo proposto originalmente pela formação política mais votada. Nenhum governo pode ficar em gestão por tempo superior ao estritamente necessário para a convocação de novas eleições legislativas"



Substitui-se-ia a alínea c) do artigo 195º

artigo 195º " 1. Implicam a demissão do Governo:
[...]
c) A morte ou a impossibilidade física duradoura do Primeiro-Ministro;"

por  :

"Sobrevindo a morte ou impossibilidade física duradoura  do Primeiro-Ministro, o governo continuará em funções, sem impedimento de qualquer espécie. O Presidente da República nomeará, no prazo máximo de 72 horas, um novo Primeiro-Ministro, escolhido entre os dois nomes restantes na lista que lhe foi entregue ao abrigo dos artigos 187º ou 192º. "


O que acham?

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Os double standards são inevitáveis no mundo real :-(

Não me parece que se possa ao mesmo tempo acusar o Ocidente por atacar/aplicar sanções ao Iraque/Irão/Síria/Líbia e ao mesmo tempo acusá-lo por não aplicar sanções/atacar a Arábia Saudita (ou a Líbia pós-abandono do seu programa nuclear). É verdade que a consistência e coerência ética obrigariam qualquer autoridade global a tratar essas situações da mesma forma. Essa autoridade, no entanto, não existe, e não é credível que alguma vez possa existir, dadas as diferenças naturais entre pessoas (sem falar sequer em culturas, ideologias políticas, filosóficas ou religiões).

Nunca estudei relações internacionais, mas parece-me que é o exemplo mais perfeito da "desordem social primordial", em que não existe confiança mútua, valores partilhados ou possibilidade de cooperação duradoura. E tendo cada Estado obrigações para com os seus cidadãos (e capacidades militares finitas, que obrigam a decidir qual a prioridade que se deve dar a cada um dos potenciais conflitos) , não me surpreende que a actuação de cada  Estado se reja por "interesses próprios". Afinal, se eu fosse presidente de uma democracia com forças armadas recrutadas (ou profissionalizadas) para defesa do meu Estado, o meu poder sobre elas radicaria na sua necessidade para o "bem comum" do Estado. Com que direito poderia eu dispôr das suas vidas para  intervenções militares "humanitárias" que me parecessem urgentes?

PS: O conceito de "guerra justa" é (com razão ou sem ela) utilizado popularmente como "ideal" quando se avalia ou critica a necessidade/oportunidade de qualquer intervenção por parte de potências ocidentais democráticas. As outras nações (segundo a percepção vigente) não precisam de se preocupar com isso: afinal, quando foi a última vez que se discutiu sob este prisma a justeza da intervenção do Ruanda no leste do Congo ou da Rússia na Crimeia?

PPS: Eu não acho que a "visão" ocidental do problemas seja necessariamente a mais correcta (ou que sequer haja uma visão "correcta" dos problemas), e nem sequer tento argumentar a favor ou contra alguma guerra ou ingerências nos assuntos internos de outros estados. Apenas não acho que seja a visão "mais incorrecta", e que por exemplo a existência do ISIS seja fundamentalmente culpa da actuação ocidental no Iraque em 2003 (fundamentalmente US/UK e com oposição francesa) . A culpa do ISIS é dos próprios membros do ISIS, que se radicalizaram devido a um conjunto extremamente complexo de factores entre os quais estará sem duvida o fim da repressão de Saddam sobre a maioria xiita e a consequente percepção, por parte de alguns membros da minoria sunita (dominante até então), de que se encontram numa situação injusta. Alguns enveredaram por percursos ideológicos vagamente sustentados em algumas interpretações do Corão que os levam a uma posição militante, sustentada táctica, administrativa e politicamente por antigos membros do exército baathista do Iraque (erradamente desmantelado, em vez de "purificado" , após a invasão).


Sobre o aparecimento do ISIS, há um artigo muito bom no Guardian de 15 de Setembro www.theguardian.com/world/2015/sep/17/why-isis-fight-syria-iraq

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Cavaco indigitou António José Seguro!

Uma vez que as eleições não se destinam a eleger candidatos a primeiro-ministro mas deputados, o presidente Aníbal Cavaco Silva decidiu indigitar esta quarta-feira o proeminente membro do PS (e seu antigo secretário-geral) António José Seguro como primeiro-ministro.

Instado a explicar a sua decisão, Cavaco Silva explicou que não podia em consciência indigitar António Costa, que na terceiras semana de Outubro lhe garantira ter um acordo mas afinal só conseguiu (mais de três semanas de atraso após essa garantia) um conjunto de "posições conjuntas isoladas". Por outro lado, uma vez que as "posições conjuntas" publicitadas pelo PS se realizaram entre PS e PCP/PEV/BE, e não entre António Costa e PCP/BE/PEV, a solidariedade política entre estas forças será independente da identidade do primeiro-ministro, desde que este seja um socialista credível.

Cavaco Silva confessou que pensou indigitar Mário Soares como primeiro-ministro, por este ser um socialista incontestado no partido. Só mudou de ideias porque a elevada idade de Mário Soares poderia impedir a manutenção de uma legislatura de quatro anos. Cavaco não receia que António Costa se indisponha com esta escolha, uma vez que o actual secretário-geral do PS tem dito que "O que nos separa não são lugares no Governo, que recusámos desde o início.[...] O que divide o PS da coligação de direita são as políticas programáticas".